Acreditamos que:

Gastronomia não é somente a arte de fazer e consumir iguarias.. mas é também compreender os sentimentos e transportá-los ao paladar...

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Semente do Paraíso


"Com sua irresistível ardência, é tempero indispensável no mundo tudo. Alimento funcional: nutre e ao mesmo tempo preserva a saúde. Poderoso afrodisíaco, é a alma da comida brasileira desde que aqui se juntaram índios, europeus e africanos.


Como podemos gostar do alimento que nos deixa a boca pegando fogo? Que mistério há no prazer desse ardor?

A questão remete à Pré-história. Há indícios de que na até então desconhecida América já se comia pimenta, no mínimo, 12 mil anos atrás.

Colombo, ao chegar ao Novo Mundo em 1498, pensando que chegava às Índias, viu nativos temperarem comida com picantes frutinhas: brancas, vermelhas, rosadas, verdes, amarelas. O genovês, leigo em botânica, achou que eram variedades da "especiaria das especiarias". E as chamou de pimentas. Mas não eram parentes da Piper nigrum, da familia piperácea, que dominava o mercado mundial das especiarias; pertenciam a outras duas das três famílias que nos presenteiam com frutinhos ardidos: solanáceas e anonáceas. Mas o termo pegou: se ardeu, então é pimenta.

Para nossos tupis-guaranis, kyinha, apuã. E uma curiosidade. Chamamos a piperácea asiática de pimenta-do-reino porque nos vinha através do Reino - de Portugal. Mas temos piperáceas nativas do Brasil, como a pimenta-do-mato e a dos-índios - kyinha çobaigoara para os tupis.A Capsucum frutescens, é usada em reverência às solanáceas mais populares no País: dedo-de-moça(caíena), cumari e malagueta - esta também usada para fins religiosos e outrora chamada de "grão do paraíso". Obviamente, seus nomes podem variar conforme a região do Brasil. Outro modo de utilização da pimenta mais atuais, são os fins medicinais. A pimenta é muito rica em antioxidantes, o que quer dizer que combatem os radicais livres, desacelerando o envelhecimento.
Mas não só por este motivo, ela também pode reduzir o risco de coágulos no sangue, porque estimula a circulação sanguínea.


Em Casa Grande & Senzala, Gilberto Freyre anota que "o abuso que faziam os indígenas de pimenta se prolonga na culinária brasileira de hoje". A portuguesa de deleitou com a abundância, aproveitando para adicionar mais sabor a sua culinária tradicional. Freyre cita o Barão de Nazaré, fidalgo pernambucano que "não ia a banquete sem levar pimentas no bolso da casaca, com receio de que o anfitrião, por elegância européia, não as oferecesse à mesa". A usança "aguçou-se", acresce Freyre, "pela influência da culinária africana, ainda mais amiga que a indígena dos requeimes e excitantes do paladar".

E como já diria outro gigante da brasilidade, Luis da Câmara Cascudo: "O brasileiro é o herdeiro fiel do patrimônio culinário das três raças formadoras de sua etnia. A pimenta vivia na preferência de seus avós negros, caboclos e portugueses." Afinal, não há brasileiro que não se encante com essa culinária cheia de contrastes e sabores.

Então, pois, voltemos à questão inicial: por que tanta avidez por um alimento tão ardido? E desse modo, para responder esse fato curioso, podemos citar humildemente o primeiro verso de um dos mais belos sonetos, do tão consagrado Camões:
"Amor é um fogo que arde sem se ver".

Um comentário:

  1. Tal Como:
    -Alma minha gentil que te partiste...
    ou
    Descalça vai para a fonte Leonor pela verdura...
    Vai formosa e não segura...

    São enenarráveis e...imortais

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